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    Quinta do Feto

    2022

    No sopé do castelo de Ourém, ergue-se uma casa de tijolo — discreta, robusta, silenciosa — que parece enraizar-se na encosta como se sempre ali tivesse pertencido. A geometria inicial é simples, quase primitiva: um volume quadrangular, austero, de faces cegas e planas. Mas no seu interior, algo inesperado acontece.

    Um gesto desmedido atravessa o espaço — uma curva ampla, quase absurda, que rompe a rigidez da malha e rasga o volume de parte a parte. A curva não é decorativa, é estrutural, é espacial. É ela que organiza, distribui, surpreende. Demasiado grande para ser ignorada, demasiado precisa para ser acidental.O chão é claro e áspero, uma plataforma mineral que ecoa a terra e a gravilha dos caminhos exteriores. Sobre ele, esta curva estabelece um percurso, uma espiral contida, uma espécie de dança lenta entre paredes que nunca tocam. A casa não se percorre — descobre-se.

    No topo, um único olho — uma janela longa e estreita — fura a espessura da parede e observa. Não a rua, não só o vale, mas a cidade distante, quase irreal, lá em baixo, lá longe. É uma visão oblíqua, melancólica, quase medieval. A casa vê, mas não se aproxima. Guarda a sua distância, como o castelo lá em cima — vizinho e sentinela.Esta casa é uma arquitetura de tensão e contenção: entre o peso do tijolo e a leveza da curva, entre a proximidade da pedra e a distância do olhar. No sopé do castelo, ela não compete com o passado — apenas o prolonga, com uma linguagem nova, densa, inusitada.