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  • 046

    Júlio Santos

    2025

    A nossa primeira intuição foi clara, quase instintiva: elevar o edifício do solo. Em vez de criar uma barreira monolítica, a estrutura fragmentou-se em duas partes, elevadas para permitir que o espaço verde fluísse por entre elas, ampliando a continuidade visual da natureza. Os jardins passaram a poder estender-se livremente da frente para a parte posterior do edifício. Trata-se de uma extensão da paisagem, apenas interrompida por caixas de ligação pontuais, que funcionam como articulações entre o domínio público e as unidades habitacionais.

    O primeiro resultado desta decisão é um conjunto composto por dois corpos voltados para uma paisagem verde, sem traseiras. Uma barra longa, contínua, com duas frentes iguais, e uma torre panorâmica mais curta — uma composição inesperada, quando comparada com o habitual e opressivo bloco em L.

    Se a natureza foi uma força motriz na génese do edifício, também o foi a máquina industrial: o pré-fabricado, a produção em massa, o pronto-a-montar. O edifício foi pensado para recorrer ao mínimo de elementos específicos de obra. A fachada — uma cortina uniforme de janelas sustentadas por estruturas metálicas e varandas revestidas com painéis pré-fabricados — é um exercício de estandardização e acessibilidade. Foi concebida com a precisão de uma linha de montagem.

    É no interior que se dá a mudança mais radical. A segregação típica entre frente e tardoz, que marcou a habitação em Portugal desde o 25 de Abril, é aqui anulada, dispersa, tornada irrelevante. Aquela distinção clara entre o público e o privado — um legado arquitetónico rigoroso — é substituída por algo mais fluido, mais aberto. Já não há “frente” nem “fundo”. O interior do edifício deixa de ser compartimentado e passa a ser um espaço amplo, flexível. A luz, o ar, e a vida circulam agora com liberdade.

    Em cinquenta anos, muita coisa mudou. A forma como vivemos, também. Este projeto procura refletir isso: uma vida menos hierarquizada, menos condicionada por muros.